Naqueles
Naqueles tempos tudo era mais simples
era verão
vocês verão
Sentia a excitação dos dias de sol
respirava e observava
sentia a vida
Olhava o espelho e via clavículas
colares de missangas
e juventude em erupção
Os batimentos do coração
pulsavam o sangue a todas as extremidades
Sentia formigueiros no rabiosque
sinal de bem-aventurança
O feminino bafejava-me
eu acompanhava-A
A maior fortuna
com a qual podes enfrentar tudo
A felizidade
Vadiávamos e beijávamos
com a língua
Os dias eram tão longos
ficávamos juntos de noite
íamos aos bolos
ficávamos até à meia-noite
depois vinha a manhã
e continuava
Amor
família
a avó
As mulheres
sempre as mulheres
A idade de ouro
a bicicleta
Frustrações e tristezas
jogos e amizades
os passeios
o cigano vinha-nos bater
e queria mandar no nosso sítio
A eterna vadiagem
a terna vai d'aragem
A loja dos jogos
Aqueles que me enganaram e ainda hoje quero matar
As raparigas da minha rua que me amaram
e quero voltar a encontrar
À nossa volta
sempre o brilho do azul
sol e céu e mar
o dourado no azul
o Verde de aqui
as montanhas à nossa volta
ao lado do ar
Viagens pela rua abaixo
sem máquinas para nos prender saíamos de casa
andávamos à porrada
Aperfeicoávamos o nosso discurso cheio caralhadas e asneirólas
os bófias apareciam bezanos,
roubavam-nos as biclas
e fugiam nelas na noite
O universo à nossa volta
as montanhas, o rio, as praias e o mar
os primeiros parampos
a papa que levou muitos
e os arrastou no alcatrão
onde repletas de prazer deslizávamos em pranchas com esferas
Descíamos até ao fim da ladeira
onde estava o cemitério
mármore branco
muro que saltaríamos em harmonia
O constante aroma de criaturas marítimas
arrancadas às profundezas do líquido mãe
assassinadas sem conseguir respirar com um anzol espetado no céu da boca
fritas, grelhadas, assadas, escalfadas, cruas
o cozinhar, o pescar, o prazer de comer o mar
Marinheiros, navegantes, vagabundos de traineiras e botes
Bota nisso sofrimento, luta, fome, violência
barracas e porrada
O pesado peso da sobrevivência
as fábricas
Pobreza e os políticos assassinos
aqui sempre a mesma merda
Os camones e nós sempre os de cá
mas cá o sol brilha e vocês que se fodam
Construíamos cabanas e fumávamos cigarros
Saltávamos vedações
encontrávamos fábricas abandonadas
caíamos por ribanceiras abaixo
a pensar que iamos morrer
Permanece a gentileza
a beleza
ser capaz de na luta sentir serenidade
e carícias – eternas
a essência
Há vida
sem teletrabalho
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home