9.8.21

 

Naqueles



Naqueles tempos tudo era mais simples


era verão


vocês verão



Sentia a excitação dos dias de sol


respirava e observava


sentia a vida


Olhava o espelho e via clavículas


colares de missangas


e juventude em erupção



Os batimentos do coração


pulsavam o sangue a todas as extremidades


Sentia formigueiros no rabiosque


sinal de bem-aventurança



O feminino bafejava-me


eu acompanhava-A


A maior fortuna


com a qual podes enfrentar tudo


A felizidade



Vadiávamos e beijávamos


com a língua


Os dias eram tão longos


ficávamos juntos de noite


íamos aos bolos


ficávamos até à meia-noite


depois vinha a manhã


e continuava



Amor


família


a avó


As mulheres


sempre as mulheres



A idade de ouro


a bicicleta


Frustrações e tristezas


jogos e amizades


os passeios


o cigano vinha-nos bater


e queria mandar no nosso sítio



A eterna vadiagem


a terna vai d'aragem


A loja dos jogos



Aqueles que me enganaram e ainda hoje quero matar


As raparigas da minha rua que me amaram


e quero voltar a encontrar



À nossa volta


sempre o brilho do azul


sol e céu e mar


o dourado no azul


o Verde de aqui


as montanhas à nossa volta


ao lado do ar



Viagens pela rua abaixo


sem máquinas para nos prender saíamos de casa


andávamos à porrada


Aperfeicoávamos o nosso discurso cheio caralhadas e asneirólas


os bófias apareciam bezanos,


roubavam-nos as biclas


e fugiam nelas na noite



O universo à nossa volta


as montanhas, o rio, as praias e o mar


os primeiros parampos


a papa que levou muitos


e os arrastou no alcatrão


onde repletas de prazer deslizávamos em pranchas com esferas



Descíamos até ao fim da ladeira


onde estava o cemitério


mármore branco


muro que saltaríamos em harmonia



O constante aroma de criaturas marítimas


arrancadas às profundezas do líquido mãe


assassinadas sem conseguir respirar com um anzol espetado no céu da boca


fritas, grelhadas, assadas, escalfadas, cruas


o cozinhar, o pescar, o prazer de comer o mar



Marinheiros, navegantes, vagabundos de traineiras e botes


Bota nisso sofrimento, luta, fome, violência


barracas e porrada



O pesado peso da sobrevivência


as fábricas


Pobreza e os políticos assassinos


aqui sempre a mesma merda


Os camones e nós sempre os de cá


mas cá o sol brilha e vocês que se fodam



Construíamos cabanas e fumávamos cigarros


Saltávamos vedações


encontrávamos fábricas abandonadas


caíamos por ribanceiras abaixo


a pensar que iamos morrer



Permanece a gentileza


a beleza


ser capaz de na luta sentir serenidade


e carícias – eternas 


a essência




Há vida



sem teletrabalho





amaníaca



enquanto a có ca cozia na carrinha

e o perfume a amoníaco planava

ela chamou-me artista

como insulto 

(que o é)
.

percebi que eu a incomodava


e gostei



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